Um Livro da historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco, que reúne abordagens independentes e analisa teorias e práticas elaboradas para se pensar em perversão
Essas vidas paralelas e anormais,como sabemos, são inenarráveis, não tendo em geral outro eco senão o da sua condenação. Infindavelmente representado em romances, contos, filmes ou monografias, essas criaturas malditas suscitam, por seu estranho status, metade homens, metade animais, um fascínio recorrente.
Flagelantes, sodomitas, masturbadores, homossexuais, nazistas, pedófilos, terroristas, zoófilos, transexuais...Embora a perversão seja uma experiência universal, cada época a define e encara de um modo diverso.
Combatida pela igreja, depois nos consultórios psicanalíticos e hoje pela neurociência, a perversão é contudo um espelho para toda a humanidade, pois exibe o que não cessamos de dissimular: nossa própria negatividade, a parte obscura de nós mesmos.
Ao mesmo tempo em que tenta responder onde começa a perversão e quem são os perversos, Roudinesco critica a superficialidade dos estudos anteriores sobre a perversão, sobretudo por serem assaz abrangentes, pouco atentos a questões específicas que carecem de aprofundamento, como, por exemplo, as estruturas da perversão (ou perversões), e enfatiza que as políticas modernas, que se apóiam nas ciências para governar, obtiveram sucesso pertinente com doenças orgânicas, mas não no âmbito do sofrimento psíquico.
À maneira de Foucault, influência profunda na metodologia da autora, autor de "História da Sexualidade" [obra sem antecedentes], ela, abrindo o caminho a futuras investigações, delineia uma breve história das perversões através dos "perversos" do Ocidente, como Sade, o nazista Rudolf Höss, místicos medievais da autoflagelação, como Gilles de Rais, Liduína (Lidwina) de Schiedam, santa da Igreja Católica canonizada em 1890 que mortificava o corpo com jejuns, Barba Azul, pedófilos e terroristas de nossos dias etc., e mostra que a perversão é, de certo modo, intrínseca à civilização e talvez não possa ou não deva ser banida, pois é o fundamento de nossa civilização; este paradoxo ganha sua apologia ao serem tratados lado a lado como perversos santos e assassinos.
Perversão não é maldade, mas desvio, como indica a etimologia do termo, que ganhou a conotação que tem hoje na Idade Média. A felicidade com a destruição, o gozo pelo mal que é infligido a si mesmo ou a outrem em um transbordamento de sentido é descrito por Roudinesco sem jargões médicos ou psicanalíticos, o que, contudo, não priva o livro de sua cientificidade, sua leitura é muito agradável. A revista "Le Magazin Littéraire" escreveu "ler Roudinesco é uma tarefa urgente"