domingo, 5 de setembro de 2010

"A psicanálise terá de se adaptar"

O fisiologista americano Eric Kandel, de 80 anos, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2000 por seus estudos sobre como a memória é formada e armazenada. Nascido na Áustria, Kandel começou sua carreira interessado em descobrir a localização cerebral do ego, do id e do superego – as três instâncias formadoras da personalidade, segundo a psicanálise. Com o tempo, ele enveredou na pesquisa sobre o que acontece dentro dos neurônios durante a memorização. Kandel concedeu a seguinte entrevista a VEJA, de seu escritório na Universidade Colúmbia, em Nova York:




Como o senhor define a neurociência?

A neurociência trata do último grande mistério no universo científico: a natureza da mente humana. O que nos permite ser criativos, ter fantasias, pensar, tomar decisões e perceber o mundo? Essas habilidades incríveis do cérebro humano são o que os neurocientistas tentam desvendar.



Como as descobertas sobre o funcionamento da memória podem ser comparadas aos avanços da genética, no século passado?

A brilhante descoberta da estrutura do DNA resultou num único padrão que explica todo o processo de duplicação desse ácido que é a essência da vida e de produção de proteínas. Com o cérebro, é diferente. Não há uma única explicação para o funcionamento das memórias. Trata-se de um conjunto de normas, que podem ser comparadas às leis da física.



Se a ciência do cérebro fosse uma estrada de 100 quilômetros, quanto do percurso já teríamos percorrido? Eu diria que estamos entre os quilômetros 10 e 20. Estamos a 100 anos de chegar ao fim da estrada, quando o funcionamento do cérebro será totalmente conhecido.



Há um limite biológico para o volume de memória que o cérebro consegue guardar?

Provavelmente não. Mas há um limite para quanto de memória se pode processar em determinado período. Ou seja, o cérebro só consegue lidar com uma quantidade limitada de informação ao mesmo tempo. Quando esse limite é ultrapassado, as informações não são bem codificadas pelo cérebro. E, sem isso, não há memória.



Qual é a grande questão ainda sem resposta no estudo da memória?

Há muitas delas. Uma, por exemplo, é como evocamos uma determinada memória. Já temos uma boa ideia de como as lembranças se formam e são armazenadas. Mas como essas memórias são recuperadas mais tarde? Para o cérebro acessar determinados tipos de memória, é preciso usar a consciência. Conhecemos muito pouco sobre a natureza da atenção consciente. Outra questão é como as memórias são modificadas ao longo da vida.



A psicanálise está ameaçada pelas descobertas da neurociência?

Não. Psicanalistas e psicoterapeutas podem até se beneficiar com isso, mas terão de se adaptar. Eles precisam se familiarizar com as novidades da neurociência. Já existem, por exemplo, estudiosos analisando imagens cerebrais de pessoas com distúrbios mentais, para detectar possíveis anormalidades e descobrir como elas são revertidas com a psicoterapia. As evidências, até agora, são muito estimulantes. Obsessão-compulsão, depressão, neuroses – com todos esses distúrbios já há estudos mostrando como a psicoterapia ou a psicanálise conseguem reverter, em alguns casos, anomalias cerebrais. Os resultados são bons quando o terapeuta, além de tentar entender o que motiva o paciente a agir de determinada maneira, passa a incentivá-lo a mudar seu comportamento presente. Ou seja, faz um tratamento mais orientado para o aqui e agora. Os estudos de neuroimagem mostram que esse é um método bastante eficiente para certos casos.

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