Eu sou a sua presença ausente que você quer esquecer.
Sou o seu contrário, sou seu avesso.
Sou sua sombra em dia de sol.
Sou o ódio infiltrado no amor.
Sou o ciúme estampado no verso do apoio.
Sou uma pequena brisa covarde no rosto do herói.
Sou o mais correto de todos os defeitos ocultos.
Sou o mais errado entre os primeiros acertos.
Sou um pouco do nada e cheio do vazio.
Mas sou o tudo que você ignora.
Posso ser bom em meio ao mal manifesto.
Mas sou a gota de ódio no mel da esperança.
Sou o esquecimento da saudade.
Sou o verme da sua carne morta.
Nunca brinque comigo quando eu te convidar, mas também não me deixe só.
No escuro do meu mundo, quando apareço sou claro como a luz.
Sou a fraqueza desprezível da humanidade, mas ela cai por mim.
Sou um paradoxo...sou um tabu…sou o não dito..sou o mal…dito.
Posso ser ninguém…..mas sou alguém…e um pouco de todos.
Na sombra do ontem....no escuro de você…no inconsciente da sua mente.
Sou parte da sua alma….sou eu…e ao mesmo tempo….sou você.
Não tente me ignorar….quando tentei isso…você surgiu.
Eu sou a ausência da sua presença que você quer esquecer.
(Do pequeno livro - Atendimentos Psicanalíticos no Invisível – Ricardo Ribeiro )
6 comentários:
Parabéns pelo texto! Poético e psicanalítico, espiritual e físico. Adorei. Muito reflexivo. Beijo
Gostei muito! Parabéns ...
Não tem como ser seguidor do blog?
Beijo
Caro Ricardo,
Talvez a presença ausente que todos os seres humanos desejam esquecer seja a do ego infantil, que ao mesmo tempo que embala, corrói. E por isso, queremos esquecê-lo quando presente se faz, pois há dificuldade em suportá-lo em nós mesmos.
Lidamos com essa dualidade (prazer X realidade) do Ser que às vezes faz-nos sonhar com um lugar cuja aparência desconhecemos, mas do qual captamos a inquietação:
"E mesmo assim quando voltamos, já tarde, do jardim dos jacintos, os seus braços carregados e os cabelos úmidos, não consegui falar e os olhos me faltaram, não estava nem morto, nem vivo, e nada mais sabia, fitando dentro do feixe de luz, o silêncio."
Apesar do lumiar diante da escuridão no recôndito d'alma, lá onde está o compartimento secreto de Pandora (fonte da força, da dignidade e da beleza), não conseguimos falar e os olhos nos faltam, onde fracassamos na tarefa ao não conseguir fazer a pergunta certa (esta, pois, mais importante do que a resposta), e assim, não revelarmos a nós mesmos o nosso Eu verdadeiro.
Para mim o "jardim dos jacintos", do poema de Eliot (acima), sugere algo parecido com essa parte de minh'alma na sombra do ontem que ignoro, e que muito embora, cercada de Flores, não a conhecia, ou melhor, não sabia descrevê-la.
Todavia, nos sonhos inquietos de uma alma ausente de minha presença, o desejo, o local do desejo, transforma-se em Amor revelado.
Grata pelo texto que produziu som e ecoou n'alma.
Ricardo
A feliz representação de uma alma inquieta que eu felicito pelo seu espírito criador.
Tomei a liberdade de transcrever no meu blog.
Um abraço
João António Fernandes
Muito profundo! Belíssimo! Parabéns.
Virei sua fan!
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